Domingo,
dia de sossegar. Mesmo sendo um dia de
eleições presidenciais, o eleitor tem
que ter a tranqüilidade para votar e exercer
seu direito democrático. Estou querendo
paz, tranqüilidade e calmaria. Correria
na urna, para andar ligeiro e descansar,
afinal, trata-se do Primeiro Turno, das
presidenciais, em Ipirá-Ba
Antes
de sair de casa, liguei a televisão que
apresentava a coletiva da ministra Rosa
Weber, presidente do Tribunal Superior
Eleitoral TSE, que falava dos avanços
tecnológicos do sistema eleitoral brasileiro,
argumentava sobre a tranqüilidade, a transparência,
a eficiência, a lisura e a rapidez do
processo eleitoral, que apresentava os
resultados gerais em algumas poucas horas,
num tempo recorde para um país continental
Tudo isso para valorizar o exercício da
cidadania e o bem-estar do eleitorado
brasileiro. Coisa inimaginável e do outro
mundo.
Fiquei admirado e arrebatado. Pense num
sentimento profundo e indizível que aparenta
corresponder a uma enorme alegria, assim
estava eu; tomado por um orgulho alvissareiro
e com aquela vontade exacerbada de exercer
meu direito de cidadania num sistema perfectível,
avançado e de primeiro mundo. Nada melhor
do que ser brasileiro e melhor ainda,
ser eleitor brasileiro.
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Almocei
na hora certa, descansei um pouco e fui
cumprir meu dever cívico, na seção 55
da Escola Alzira Bela, na cidade de Ipirá.
Estava sereno e fazia uma previsão de
alguns minutos para exercer o meu direito
sagrado, constitucionalizado e respeitado
do voto, ainda mais, quando o meu voto
carrega um caráter libertário e de coerência
com a manutenção da democracia.
O primeiro impacto teve a força de uma
facada na boca do estômago. No pátio da
escola, um pequeno cubículo, estava um
amontoado de eleitores querendo exercer
o direito do voto. Tinha que haver uma
fila! E, realmente, tinha uma fila labiríntica,
de feitio tão complicado que só a muito
custo o eleitor encontrava o fim da fila.
Colocado no fim daquela intrincada e entrelaçada
fila percebi que a coisa era complicada
e obscura. Eram precisamente 14 h. A luz
solar adentrava pela porta do cubículo
e incomodava-me bastante, a fila andou
meio metro e eu saí daquela posição incomoda.
Comecei a pensar sobre o porquê daquela
situação e constatei que era devido ao
casamento da seção 54 com a seção 55 e
num local que havia quatro seções passou
a ter somente duas. Estava explicado.
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Com
meia hora eu já estava agoniado, um calor
infernal e o suor escorrendo pela face
e pelo corpo e eu sentia que a subaqueira
estava virando uma lagoa e aquele rebanho
de eleitores espremido naquele cubículo
estava começando a ficar impaciente: “Essa
fila é coisa do capeta!” gritou um eleitor,
que foi rebatido por outro eleitor: “Do
capeta nada, isso só pode ser coisa de
um jumento!”
Eu
não disse nada, mas eu sabia que o jumento
trabalhador e perfeccionista do jeito
que é não seria tão burro para cometer
uma mancada de tamanha envergadura para
sacanear com a cara do eleitor. Eu pensei:
“Isso deve ser invencionisse de algum
quadrúpede burocrata para espezinhar o
eleitor!” pensei, mas não falei.
Com uma hora na fila eu já estava irritado.
Numa fila eleitoral e ninguém podia falar
de política. Seria crime eleitoral. Eu
notei que as pessoas estavam ficando estressadas.
Aí, Luís da Laranja falou comigo: “Essa
fila é de rosca, parece o Matadouro de
Ipirá, não sai do lugar” É verdade Luís!
Isso aqui não sai do lugar e é um Matadouro
de Eleitor. Pensei e falei.
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Eu
nem vou falar o que é fila. É muita confusão
e não tinha ninguém, ninguém mesmo, para
dar uma orientação e organizar aquele
troço. Se fosse eleição de jacu e macaco
a bagaceira seria grande. Mas, vamos que
vamos, porque o eleitorado apertado, agoniado,
já está irritado: “Por causa de uma disgrama
de um voto, sou obrigado a enfrentar uma
merda dessa!” falou alguém. E tinha gente
chegando e gente esperta furando fila.
“Eu estou amamentando e se eu não votar
agora eu vou embora, não vou deixar meu
filho passando fome” Será que o voto agora
vai acabar com a fome neste Brasil? Seria
bom que o voto deixasse de ser esperteza,
mas vamos que vamos porque meu problema
é a fila.
Duas horas em pé, com a fila andando à
passo de tartaruga. Tinha eleitor esperneando:
“Por causa da desgraça de um voto, vou
ter que agüentar uma p.... dessa!” Olha
a que patamar estava chegando o voto,
tudo por causa do massacre que estavam
impondo ao eleitor.
A fila já estava pelo lado de fora. Com
duas horas e meia, eu cheguei à porta
da sala da 55 coloiada com a 54. Tinha
um papel oficial do TRE afixado na parede,
escondido, por trás da fila. O papel olhou
para minha cara e disse: “Você é um otário,
levou mais de duas horas numa fila quando
tem direito a prioridade, kakaka!” Aí
foi que eu fiquei arretado, mas eu não
vou discutir com uma folha de papel sacana,
que é tão f.d.p que acha que quem está
na merda de uma fila para dá a p.....de
um voto é otário, besta, babaca e o car......
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Eram
quase 17 h quando teclei a urna e enfiei
o voto. Três horas! O tempo de um deslocamento
de Ipirá a Salvador, gasto enfrentando
uma fila para votar na escola Alzira Bela,
em Ipirá.
Muitas
vezes, a tecnologia de primeiro mundo
não clareia a mente de quem organiza o
processo. O eleitor que pague o preço.
Não vai aparecer um capeta para pedir
desculpa ao eleitor. Não vai aparecer
um candidato para agradecer ao votante.
Saí da seção, cansado, aporrinhado e sacaneado,
mas com todo esse sacrifício e diante
de tanta indiferença, eu comparecerei
ao segundo turno, porque o meu voto é
o meu esforço para não deixar o fascismo
tomar conta desse país.
Por Agildo Barreto
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